sábado, 19 de junho de 2010

Borboletas



Era uma vez um caçador de borboletas.

O caçador de borboletas usava uns calções muito largos, uma camisa cheia de ramagens, toda às flores e um boné ridículo, com um botão no alto e uma pala comprida, por causa do sol.

Usava também uma rede, pendurada num cabo de madeira, que era uma espécie de espingarda, embora não fizesse pum!, porque não dava tiros. Com essa rede, que a mãe lhe dera quando fizera anos, há muito tempo, é que ele corria atrás das borboletas.

Ia para o bosque, via uma borboleta e desatava a correr:

― Olha uma borboleta, que asas tão lindas, vou apanhá-la para a minha colecção.

Tropeçava nas pedras, enrolava-se nas sebes, esfolava os joelhos, mas a borboleta poisava e ele acabava por conseguir apanhá-la.

Quando isso acontecia, o caçador de borboletas, que já tinha feito 50 anos mas continuava solteiro, entrava em casa a gritar:

― Mamã, mamã, apanhei uma borboleta para a minha colecção. Viva! Viva! Eu sou um grande caçador…

E a mamã, que já tinha feito 70 anos, dizia, toda contente:

― O meu filho apanhou uma borboleta muito bonita. Viva ele, que é um grande caçador…

E, então, o caçador de borboletas, que como todos os outros caçadores já tinha morto a caça, pegava na borboleta e metia-a dentro de um livro, para ela ficar muito sequinha. Depois ia pô-la em exposição numa caixa de vidro que tinha na parede, onde já estavam muitas borboletas mortas que tinha caçado em vezes anteriores.

Quando os amigos iam lá a casa, mostrava-lhes a colecção. Tinha só um problema: as borboletas não voavam. Toda a gente sabe que as borboletas só são bonitas quando estão vivas, a voar, com asas todas coloridas.

E um dia (quando um amigo disse: ― As tuas borboletas não parecem borboletas. Nem voam nem nada) o caçador de borboletas ficou muito zangado. E disse:

― Mamã, vou pôr o António na rua, ele é um mal-educado e não percebe nada de borboletas…




II

Ora noutro país vivia um pintor de borboletas.

O pintor de borboletas vestia uma camisa vulgar, azul-claro, e umas calças de ganga, a que se costuma chamar jeans.

Não tinha boné, nem uma rede pendurada num cabo de madeira, mas ia, também, para o bos­que. Chegava, sentava-se e ficava a ver as borboletas que poisavam nas sebes e nas flores. Então, em vez de procurar apanhá-las, parava a desenhá-las num papel branco que levava, com lápis de cera de muitas e garridas cores.

Este desenhador de borboletas era muito novo: tinha só 15 anos. Quando chegava a casa dizia à mãe, que era uma senhora jovem e bonita:

― Olha, pintei mais uma borboleta.

E a mãe dizia:

― Que bonita! ― e ficavam os dois muito contentes. E as borboletas continuavam a voar no bos­que, não tinham morrido nem iam secar as asas para dentro de livros tão velhos e tão estranhos que já ninguém era capaz de os ler.

Quando os amigos iam lá a casa, diziam:

― Que desenhos tão bonitos tu fazes. Que lindas borboletas.

E ele dizia:

― Mãe, dá mais refresco ao João.

E não punha ninguém na rua.


III

Ora um dia o caçador de borboletas chegou a casa muito aborrecido: não tinha caçado nenhuma borboleta.

― Mamã, hoje não cacei nada ― disse ele.

Mas a mamã não respondia e o caçador resolveu passar a ser jogador de cartas. Mas não teve sorte, porque ninguém queria jogar com ele.


IV

No mesmo dia em que o caçador de borboletas chegou pela primeira vez a casa sem ter caçado nenhuma borboleta, o pintor de borboletas voltou do bosque cheio de desenhos.

― Olha, mãe, tantas borboletas bonitas ― disse ele.

Tempos mais tarde, já mais crescido, o pintor de borboletas ganhou um prémio numa exposição, com um quadro cheio de borboletas belas e raras.

Só teve pena de não conseguir vendê-lo, mas quando ia entregar a pintura ao comprador o qua­dro desfez-se e as borboletas desataram todas a voar.

O caçador de borboletas era um homem presunçoso e sem sensibilidade. Por isso, acabou sozinho. Fechado no seu egoísmo, não foi capaz de compreender que os outros seres também têm o direito de viver e de serem felizes.


Mário Contumélias

Uma Mão Cheia de Histórias (adaptado)

Lisboa, Ed. Verbo, 1985

Nenhum comentário:

Postar um comentário